Thursday, April 26, 2012

O Espantalho que queria voar




O Espantalho que queria voar





Era uma vez um espantalho que queria voar; dia após dia, o seu olhar perdia-se no enorme azul do céu e nas nuvens. Dava por si a seguir, com inveja, o vôo livre dos pássaros em verdadeiras acrobacias aéreas que, lá do alto, pareciam troçar da solitária figurinha de palha, bem plantada no terreno da horta, observando-os silenciosamente.

- Um dia, também hei-de voar! - murmurava ele para os seus botões, enquanto soltava um profundo suspiro.

- Tem juízo, Espantalho! - ralhavam as flores, as joaninhas, as formigas e os ratinhos do campo. - Então não sabes que os espantalhos só servem para assustar os pássaros impedindo, assim, que comam as sementes plantadas pelos agricultores?

“Assustar os pássaros?!”, admirava-se o espantalho. “Ora essa!” Logo ele que gostava tanto de pássaros, fossem eles pardais, andorinhas ou mesmo corvos. Afinal, conseguiam realizar uma notável proeza: voar!

E encolhia os ombros de palha, enquanto voltava a fixar o enorme azul, que lhe parecia tão distante. Ficava a imaginar quantas coisas poderia avistar de lá do alto: lagos de côr turquesa, montanhas cobertas de neve branca e cintilante e maravilhosas florestas esmeralda onde – tinha ouvido dizer – viviam criaturas mágicas, pequeninas e ágeis, que brincavam às escondidas por entre as flores...

- Diabo de espantalho! - resmungava o lavrador, trazendo-o de volta à realidade. - Dir-se-ia que tem vontade própria! Todos os dias o deixo de braços abertos e lhe componho um ar ameaçador... mas, à noitinha, quando venho de tratar os campos, lá está ele com os braços caídos e esse aspecto miserável que não consegue, sequer, assustar uma borboleta... Até parece que faz de propósito! - e, no meio de sacudidelas, abanões e pontapés, lá o voltava a colocar na sua posição de espantalho: pés bem enterrados na terra, braços estendidos para os lados e uma careta aterradora que, segundo pensava o lavrador, teria que ser suficientemente feia para afastar qualquer animal, alado ou não, que tivesse a ousadia de comer alguma sementinha que se encontrasse mais à superfície.

O pobre espantalho aguentava os modos bruscos do lavrador e a troça dos bichinhos do campo com muita resignação. Mas voltava sempre a olhar para o céu, as nuvens, os pássaros e as borboletas...

- Ah, se eu pudesse voar! - murmurava ele, com ar sonhador. - Deixar-me--ia embalar ao sabor da brisa da tarde e iria visitar terras longínquas, voaria sobre as falésias, sobrevoaria praias do outro lado do mundo e subiria tão alto quanto as estrelas...

- És um palerma! - desdenhavam os ratinhos do campo, as joaninhas e as flores. - Os espantalhos não voam!

O infeliz espantalho suspirava e baixava o rosto de palha, perdido nos seus sonhos impossíveis.

Mas um dia...

Um dia, o céu escureceu e tornou-se côr de chumbo. Grossos pingos de chuva caíram sobre a terra e um forte vento começou a soprar, fazendo com que todos os bichinhos se escondessem nas suas tocas e ninhos.

O espantalho apertou o casaco rasgado contra o peito e encolheu-se, enquanto a chuva o molhava cada vez mais. O ribombar de um trovão ecoou--lhe nos ouvidos, fazendo com que se assustasse.

- O que é isto? Que barulho é este? - gritou ele.

O vento, cada vez mais forte, fez com que as suas palavras se perdessem no ar. Outro trovão ensurdecedor quase o fez desmaiar de medo e, nessa altura, sentiu que o seu corpo de palha oscilava.

- Os meus pés... estão a mexer-se! - exclamou o espantalho. - EU estou a mexer-me!

Repentinamente, um golpe de vento mais forte levantou-o do chão e levou--o pelos ares, fazendo-o rodopiar. A paisagem à sua volta modificou-se e, quando o espantalho conseguiu finalmente parar de rodar, percebeu que o seu maior sonho se realizara: estava a voar!

- Oh... - murmurou ele maravilhado, arregalando os olhos.

As casas ficaram tão pequeninas que pareciam miniaturas e as árvores já não passavam de uma imensa mancha verde. Os carros e os tractores eram autênticas formigas e as pessoas assemelhavam-se às sementinhas que o lavrador atirava à terra, na época das sementeiras.

Nem em sonhos ele pudera ver tantas coisas tão bonitas: praias de areia fina, lagos cristalinos que espelhavam o arco-íris, bosques verdejantes, vales profundos e misteriosos e montanhas tão altas que ele quase as poderia tocar, se esticasse os braços.

Mas, o melhor de tudo, era a enorme sensação de liberdade e paz que experimentava... Voar era, de facto, a coisa mais maravilhosa do mundo!

Nisto, o espantalho sentiu um imenso calor: tinha sido atingido por um raio e, como era de palha, começou a arder rapidamente enquanto prosseguia o seu vôo sem rumo.

- Vou desaparecer... - suspirou ele. Estranhamente não sentia medo. - Mas, pelo menos, consegui realizar o meu sonho; eu sabia que isso iria acontecer um dia. Só tenho pena de não poder contar às minhas amigas flores, aos ratinhos do campo, às joaninhas e às formigas como é bom voar!

Ao contrário do que o espantalho pensava, ele não desapareceu completamente; uma pequenina parte do seu corpo continuou a planar ao sabor do vento, iluminando com uma centelha minúscula de luz o crepúsculo que, lentamente, ia dando lugar à noite.



Lá em baixo, uma menina acabava de erguer a cabeça para o céu, passeando o olhar sonhador pelas estrelas que, de lá de cima, pareciam piscar-lhe os olhos.

- Mãe! Vi uma estrela cadente! - exclamou ela, enquanto o espantalho cruzava os ares na sua infindável viagem.

- Então tens de formular um desejo! - disse a mãe, sorrindo. - Fecha os olhos e pensa no que mais gostarias de ter ou fazer...

A menina fechou os olhos, apertou as mãozinhas uma contra a outra e concentrou-se. Repentinamente, o seu rostinho abriu-se num enorme sorriso e a sua voz infantil ecoou no silêncio da noite estrelada:

- Eu desejo poder voar!

No comments:

Post a Comment