O Espantalho que queria voar
Era
uma vez um espantalho que queria voar; dia após dia, o seu olhar
perdia-se no enorme azul do céu e nas nuvens. Dava por si a seguir,
com inveja, o vôo livre dos pássaros em verdadeiras acrobacias
aéreas que, lá do alto, pareciam troçar da solitária figurinha de
palha, bem plantada no terreno da horta, observando-os
silenciosamente.
-
Um dia, também hei-de voar! - murmurava ele para os seus botões,
enquanto soltava um profundo suspiro.
-
Tem juízo, Espantalho! - ralhavam as flores, as joaninhas, as
formigas e os ratinhos do campo. - Então não sabes que os
espantalhos só servem para assustar os pássaros impedindo, assim,
que comam as sementes plantadas pelos agricultores?
“Assustar
os pássaros?!”, admirava-se o espantalho. “Ora essa!” Logo ele
que gostava tanto de pássaros, fossem eles pardais, andorinhas ou
mesmo corvos. Afinal, conseguiam realizar uma notável proeza: voar!
E
encolhia os ombros de palha, enquanto voltava a fixar o enorme azul,
que lhe parecia tão distante.
Ficava
a imaginar quantas coisas poderia avistar de lá do alto: lagos de
côr turquesa, montanhas cobertas de neve branca e cintilante e
maravilhosas florestas esmeralda onde – tinha ouvido dizer –
viviam criaturas mágicas, pequeninas e ágeis, que brincavam às
escondidas por entre as flores...
-
Diabo de espantalho! - resmungava o lavrador, trazendo-o de volta à
realidade. - Dir-se-ia que tem vontade própria! Todos os dias o
deixo de braços abertos e lhe componho um ar ameaçador... mas, à
noitinha, quando venho de tratar os campos, lá está ele com os
braços caídos e esse aspecto miserável que não consegue, sequer,
assustar uma borboleta... Até parece que faz de propósito! - e, no
meio de sacudidelas, abanões e pontapés, lá o voltava a colocar na
sua posição de espantalho: pés bem enterrados na terra, braços
estendidos para os lados e uma careta aterradora que, segundo pensava
o lavrador, teria que ser suficientemente feia para afastar qualquer
animal, alado ou não, que tivesse a ousadia de comer alguma
sementinha que se encontrasse mais à superfície.
O
pobre espantalho aguentava os modos bruscos do lavrador e a troça
dos bichinhos do campo com muita resignação. Mas voltava sempre a
olhar para o céu, as nuvens, os pássaros e as
borboletas...
-
Ah, se eu pudesse voar! - murmurava ele, com ar sonhador. -
Deixar-me--ia embalar ao sabor da brisa da tarde e iria visitar terras
longínquas, voaria sobre as falésias, sobrevoaria praias do outro
lado do mundo e subiria tão alto quanto as estrelas...
-
És um palerma! - desdenhavam os ratinhos do campo, as joaninhas e as
flores. - Os espantalhos não voam!
O
infeliz espantalho suspirava e baixava o rosto de palha, perdido nos
seus sonhos impossíveis.
Mas
um dia...
Um
dia, o céu escureceu e tornou-se côr de chumbo. Grossos pingos de
chuva caíram sobre a terra e um forte vento começou a soprar,
fazendo com que todos os bichinhos se escondessem nas suas tocas e
ninhos.
O
espantalho apertou o casaco rasgado contra o peito e encolheu-se,
enquanto a chuva o molhava cada vez mais. O ribombar de um trovão
ecoou--lhe nos ouvidos, fazendo com que se assustasse.
-
O que é isto? Que barulho é este? - gritou ele.
O
vento, cada vez mais forte, fez com que as suas palavras se perdessem
no ar. Outro trovão ensurdecedor quase o fez desmaiar de medo e,
nessa
altura, sentiu que o seu corpo de palha oscilava.
-
Os meus pés... estão a mexer-se! - exclamou o espantalho. - EU
estou a mexer-me!
Repentinamente,
um golpe de vento mais forte levantou-o do chão e levou--o pelos
ares, fazendo-o rodopiar. A paisagem à sua volta modificou-se e,
quando o espantalho conseguiu finalmente parar de rodar, percebeu que
o seu maior sonho se realizara: estava a voar!
-
Oh... - murmurou ele maravilhado, arregalando os olhos.
As
casas ficaram tão pequeninas que pareciam miniaturas e as árvores já
não passavam de uma imensa mancha verde. Os carros e os tractores
eram autênticas formigas e as pessoas assemelhavam-se às
sementinhas que o lavrador atirava à terra, na época das
sementeiras.
Nem
em sonhos ele pudera ver tantas coisas tão bonitas: praias de areia
fina, lagos cristalinos que espelhavam o arco-íris, bosques
verdejantes, vales profundos e misteriosos e montanhas tão altas que
ele quase as poderia tocar, se esticasse os braços.
Mas,
o melhor de tudo, era a enorme sensação de liberdade e paz que
experimentava... Voar era, de facto, a coisa mais maravilhosa do
mundo!
Nisto,
o espantalho sentiu um imenso calor: tinha sido atingido por um raio
e, como era de palha, começou a arder rapidamente enquanto
prosseguia o seu vôo sem rumo.
-
Vou desaparecer... - suspirou ele. Estranhamente não sentia medo. -
Mas, pelo menos, consegui realizar o meu sonho; eu sabia que isso
iria acontecer um dia. Só tenho pena de não poder contar às minhas
amigas flores, aos ratinhos do campo, às joaninhas e às formigas
como é bom voar!
Ao
contrário do que o espantalho pensava, ele não desapareceu
completamente; uma pequenina parte do seu corpo continuou a planar ao
sabor do vento, iluminando com uma centelha minúscula de luz o
crepúsculo que, lentamente, ia dando lugar à noite.
Lá
em baixo, uma menina acabava de erguer a cabeça para o céu,
passeando o olhar sonhador pelas estrelas que, de lá de cima,
pareciam piscar-lhe os olhos.
-
Mãe! Vi uma estrela cadente! - exclamou ela, enquanto o espantalho
cruzava os ares na sua infindável viagem.
-
Então tens de formular um desejo! - disse a
mãe,
sorrindo. - Fecha os olhos e pensa no que mais gostarias de ter ou
fazer...
A
menina fechou os olhos, apertou as mãozinhas uma contra a outra e
concentrou-se. Repentinamente, o seu rostinho abriu-se num enorme
sorriso e a sua voz infantil ecoou no silêncio da noite estrelada:
- Eu desejo poder voar!
- Eu desejo poder voar!
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